A situação dos terceirizados e terceirizadas da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern) ganhou mais um triste capítulo durante a pandemia do novo coronavírus. Há três meses sem receber salários, os trabalhadores e trabalhadoras da limpeza e capinagem da universidade enfrentam o isolamento social com fome, contas a pagar e muita indignação.
De acordo com Aldeiza de Souza, delegada sindical do Sindilimp, que representa os terceirizados da Uern, além dos salários atrasados também não foram pagos quatro meses de vale-transporte e de vale-alimentação. Para a dirigente sindical, a situação é uma afronta aos direitos humanos e só demonstra o total descaso dos empresários, da gestão universitária e do governo estadual com estes servidores.
“Eu não entendo o porquê de tanto sofrimento, tanta humilhação, para que a Uerrn, as empresas terceirizadas e o governo paguem estes trabalhadores. São 59 colaboradores, pais e mães de família, vivendo em uma situação gritante, uma lástima! Há casais que ambos trabalham na Uern, agora me diga como estas pessoas vão conseguir pagar suas contas se sua renda mensal toda deveria vir da universidade e nunca é paga?”, questiona Aldeiza.
A diretora do Sindilimp conta ainda que, independente da empresa contratada pela universidade, os atrasos são sempre recorrentes e questiona a responsabilidade da gestão universitária com os trabalhadores terceirizados. “Por que entra empresa e sai empresa e os terceirizados da Uern nunca conseguem receber seus salários e direitos em dia?”, comenta.
Terceirizados relatam rotina de angústia e endividamento
A reportagem da Associação dos Docentes da Uern – Seção Sindical do ANDES-SN conversou com alguns servidores terceirizados, que relataram uma rotina cada vez mais angustiante, devido ao não pagamento dos salários e agravada por todo o estresse e riscos causados pela pandemia da Covid-19.
A trabalhadora Maria da Silva* comenta que está há dois meses sem pagar o aluguel e que a falta de definição, de ao menos uma data em que os atrasados começarão a ser pagos, torna a situação ainda mais desesperadora.
“O tempo todo ficam surgindo informações de que o pagamento vai sair hoje, vai sair semana que vem, vai sair no fim do mês e até agora nada. Precisamos de uma definição, pois esta situação é angustiante e queremos poder organizar nossas vidas” comenta Maria.
A servidora Ana dos Santos* comenta que sua situação é preocupante. Segundo ela, todas as contas estão atrasadas e a única renda fixa da família é o contrato com a Uern. A terceirizada afirma que tem sobrevivido graças a doações.
“Meu marido é trabalhador autônomo e por conta da pandemia está sem conseguir trabalho. Meu aluguel está atrasado e só estamos comendo graças às cestas básicas que recebemos e da ajuda de colegas de trabalho. Minha família é muito pobre, por isso não tenho nem como contar com a ajuda deles neste momento” lamenta Ana.
A dirigente do Sindlimp, Aldeiza de Souza, confirma que relatos como estes são comuns e cotidianos entre os terceirizados. Ela afirma que diariamente recebe mensagens dos servidores expondo como têm sido atravessar a pandemia sem condições básicas de sobrevivência.
“São mais de 50 pais e mães de família. Muitos destes já passando fome. A maioria não está sem água nem luz, pois durante a pandemia está proibido realizar corte desses serviços. São pessoas sendo ameaçadas de despejo por não pagarem o aluguel. É uma lástima saber que os trabalhadores da Uern estão vivendo dessa forma, com essa angústia, esse desespero. Isso é uma perversidade, é desumano. Neste momento esses trabalhadores deveriam estar em melhor condição de higiene, de alimentação, para evitar se contaminar com qualquer doença, mas estão sem dinheiro pra comprar o mínimo para sobreviver”, conclui.
Universidade se manifesta sobre situação dos terceirizados
Procurada pela diretoria da Aduern SSind. sobre os atrasos salariais, a gestão da Uern, se manifestou através de ofício, assinado pelo diretor de Administração e Serviços, Pedro Rebouças de Oliveira Neto.
“Estamos cientes da situação ora relatada, que a empresa CONSERVE (responsável pelo serviço terceirizado de limpeza e copeiragem em Mossoró) já foi devidamente notificada pelos descumprimentos e está respondendo a quatro processos de aplicação de penalidade, os quais estão sob os números 267/2020, 557/2020, 951/2020 e 1310/2020. Caso o salário de abril, a vencer no quinto dia útil de maio, também não seja pago, será feita outra notificação em razão do novo descumprimento.
Além disso, estamos mantendo contato frequente com o fornecedor, cobrando a solução para tal problema. O fornecedor, por sua vez, alega que para quitar pelo menos dois meses de salários, necessita receber fatura referente ao mês de janeiro/2020, única que se encontra apta ao pagamento. A citada fatura somente foi finalizada pelo fornecedor e atestada pela gestão do contrato em 26/03/20, desse modo não há que se falar, legalmente, em atraso que justifique descumprimento de suas obrigações (…)”, afirma o documento.
O ofício da reitoria aponta ainda que, diante dos atrasos, ficou decidido “abrir processo administrativo, sob o nº 1327/2020, que poderá culminar com rescisão contratual e, por conseguinte, contratação de nova empresa para assumir o serviço”.
A Aduern SSind. reafirma sua posição histórica de contrariedade ao processo de terceirização em qualquer esfera de serviço. Tal prática pavimenta o caminho da total precarização das condições de vida de trabalhadores e trabalhadoras, que em meio ao embate entre empresários e gestores, acabam sendo as únicas vítimas.
A seção sindical do ANDES-SN na Uern vem também atuando para apoiar os trabalhadores sem salário, especialmente nesse momento de tanta fragilidade. Patrícia Barra, presidente da entidade, destaca que o apoio do sindicato aos terceirizados é antigo e que a entidade nunca silenciou sobre os constantes atrasos salariais e desrespeito aos direitos trabalhistas.
“A situação dos terceirizados da Uern não é novidade para ninguém. Há pouco tempo também estávamos [docentes] com três meses de salários atrasados, hoje ainda temos duas folhas a receber. No entanto, embora a gente compreenda a angústia dos salários atrasados, não podemos comparar nossa situação com a dos terceirizados, pois estes, na maioria, não têm nem acesso a crédito. São eles ainda mais penalizados pela precarização do trabalho e descaso com o qual são tratados. Assim, antes de tudo, temos solidariedade e empatia com nossos colegas neste momento difícil. Não podemos dormir tranquilos, sabendo que ao nosso lado existem pais e mães de família passando necessidades”, afirmou.
No último mês, a Aduern SSind. encabeçou uma ação solidária que arrecadou mais de meia tonelada de alimentos. Parte destas doações foi destinada aos terceirizados da Uern.
* Os nomes de servidoras utilizados nesta matéria foram alterados visando impedir qualquer tipo de perseguição ou retaliação.
*Fonte: Aduern SSind.
Com edição do ANDES-SN