Pacote fiscal do governo federal apresenta mais restrições à classe trabalhadora

Publicado em 29 de Novembro de 2024 às 19h14. Atualizado em 03 de Dezembro de 2024 às 15h34
Entre as principais medidas estão a redução, a médio prazo, do abono salarial e um teto no reajuste do salário mínimo. Foto: Agência Brasil

Embora tenha sido apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como uma medida que trará até "benefícios" à classe trabalhadora, com a mudança na faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil, por exemplo, o pacote fiscal anunciado nesta quinta-feira (28) apresenta ainda mais restrições aos mais pobres, às trabalhadoras, aos trabalhadores e ao funcionalismo federal.

Com o objetivo de “adequar” os gastos públicos nos próximos anos e dar reforçar o arcabouço fiscal em vigor desde o ano passado, o pacote de corte de gastos obrigatórios visa economizar R$ 70 bilhões em dois anos (R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026), segundo a equipe do governo federal. Embora a proposta que será levada ao Congresso Nacional tenha sido detalhada por Haddad, Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, e Rui Costa, ministro da Casa Civil, não houve aprofundamento dos reais impactos, em especial para a camada mais pobre da população.

Helton Saragor de Souza, 2º vice-presidente da Regional São Paulo do ANDES-SN, ressalta que o pacote é uma tentativa de salvar o arcabouço fiscal, que impôs um novo teto aos gastos sociais. Segundo o diretor, embora o governo afirme que não irá cortar nenhum direito social, o centro da proposta é limitar as despesas obrigatórias dentro das regras do arcabouço fiscal. Ele lembra que, já neste ano de 2024, houve restrições orçamentárias em diversos ministérios, com bloqueios e contingenciamento de verbas, a manutenção do subfinanciamento crônico das áreas sociais essenciais, além da reedição da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2032. Na prática, a DRU permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário. Também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública.

“O mercado pressiona e tem criticado as medidas, sobretudo uma medida progressiva que tem a ver com a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, mas, por exemplo, um dos principais aspectos do pacotão desta quinta-feira é a limitação da possibilidade de aumento do ganho do salário mínimo, que começa a entrar dentro dos parâmetros do arcabouço fiscal", explica Helton. “Isso é uma medida que vai mexer na massa salarial, vai mexer nos mais pobres, mesmo o governo colocando que está preocupado com supersalários ou com benefícios excessivos das forças armadas”, acrescenta o diretor, que é da coordenação do Setor das Instituições Federais de Ensino do Sindicato Nacional.

Entre os principais pontos da proposta de contenção de gastos estão a redução, a médio prazo, do abono salarial e um teto no reajuste do salário mínimo. A mudança no valor do salário mínimo representa uma grande fatia do corte proposto pelo governo e terá impacto também nos valores do seguro-desemprego, aposentadorias e pensões, entre outros benefícios vinculados ao valor do salário mínimo. A estimativa é que, com esse corte, o governo deixará de pagar R$ 2,2 bilhões no ano que vem; R$ 9,7 bilhões em 2026; R$ 14,5 bilhões em 2027; R$ 20,6 bilhões em 2028; R$ 27,8 bilhões em 2029; e R$ 35 bilhões em 2030.

Outra medida com impacto para a classe trabalhadora é a redução no limite de renda para ter direito ao abono salarial, que atualmente é de até 2 salários mínimos (R$ 2.824). O pacote apresentado fixa o limite em R$ 2.640, valor que será corrigido pelo INPC até atingir o teto de 1,5 salário mínimo, o que, segundo projeção do governo, deve ocorrer em 2035. A expectativa é economizar R$ 18,1 bilhões até 2030.

Para reduzir o impacto político dos cortes de gastos obrigatórios, o governo enviará uma proposta para elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, em troca de uma alíquota efetiva de 10% para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês.

As mudanças no IR, informou o governo, terão impacto zero nas contas públicas e antecipam a segunda fase da reforma tributária, que trata da cobrança de Imposto de Renda. Segundo o IBGE, em 2022, quase 69,17% da população trabalhadora com carteira assinada ganhava até dois salários mínimos e já era isenta do Imposto de Renda.

Funcionalismo
O governo também prevê um gatilho de reenquadramento para vedar aumento real de servidoras e servidores acima de 0,6% da inflação, a partir de 2027. Isso significa que boa parte do funcionalismo federal, que amarga perdas salariais, seguirá com as remunerações defasadas. O pacote propõe ainda um escalonamento de provimentos e concursos em 2025, com meta de pelo menos R$ 1 bilhão de economia.

“É muito preocupante, para o funcionalismo, termos uma previsão de gatilhos que podem criar maiores restrições, a depender do aumento das despesas vinculadas à política pública, porque é um dos principais aspectos do teto de gasto e que gera uma preocupação grande no sentido dos servidores públicos e para o conjunto da classe trabalhadora usuária dos serviços públicos”, afirma o diretor do ANDES-SN.

Supersalários e militares
Com o argumento de distribuir o impacto dos cortes aos mais ricos, o governo propõe acabar com brechas que burlam o teto dos supersalários no serviço público e reformar a previdência dos militares. O pacote também prevê a limitação na concessão de benefícios fiscais enquanto as contas do governo estiverem deficitárias e um teto no crescimento das emendas parlamentares.

De acordo com Helton, também gera muita preocupação que as medidas apresentadas sejam repercutidas pela mídia como positivas, ou ainda insuficientes, uma vez que mesmo o cenário atual já é mínimo para manter o conjunto das políticas sociais. “O principal do debate deveria ser para onde vão os recursos do Estado e do fundo público. Temos bilhões de renúncias fiscais, encargos de dívida pública ilegítima, o papel do legislativo com as emendas impositivas que não estão vinculadas a qualquer parâmetro republicano de política pública, mas, infelizmente, não foi essa a natureza do pacote apresentado. O que foi apresentado tem aspectos de maior restrição para o conjunto da classe trabalhadora e para o funcionalismo público”, lamenta.

O docente lembra ainda que, dentro desse conjunto de elementos, o que gera muita preocupação é o orçamento da educação, que sofre com subfinanciamento crônico, sem perspectiva de reversão, e com a deterioração das instituições federais de ensino. “A cada ano se agrava mais, na medida em que não temos investimentos e que temos um subfinanciamento crônico”, alerta o diretor do ANDES-SN.

Confira as medidas enviadas pelo governo ao Congresso Nacional.

*com informações da Agência Brasil
 

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