Uma articulação iniciada entre o Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Amapá – Seção Sindical do ANDES-SN - e entidades docentes da Guiana, e que já conta com a participação de outras entidades, garantiu a visita de uma força tarefa com médicos guianenses ao Oiapoque – cidade na fronteira entre Brasil e Guiana, onde há também um campus da Unifap.
Em uma carta dirigida aos poderes públicos em 18 de maio, o Sindufap SSind., a FSU Guyane e a Sud Education Guyane (entidades sindicais da educação) ressaltaram que a Covid 19 não tem fronteiras ou nacionalidade e a saúde não se mantém através da construção de muros. “Somos todos interdependentes, até a humanidade do planalto amazônico da Guiana, e nossa luta contra o COVID-19 é uma luta comum”, afirmaram no documento.
A carta foi lançada com uma coletiva de imprensa e resultou no envio de uma equipe médica guianense ao Oiapoque para avaliar as condições de atendimento aos infectados pelo novo coronavírus.
“O movimento surgiu com o objetivo de pressionar as autoridades guianenses e amapaenses, mas também de âmbito nacional - francesas e brasileiras - para que houvesse uma cooperação binacional a fim de socorrer as vítimas de Covid 19 do Oiapoque”, contou Sidney Lobato, 2º Secretário da Regional Norte 2 do ANDES-SN e também da diretoria da Sindufap Seção Sindical.
Segundo o diretor do ANDES-SN, as entidades se manifestaram trazendo para o debate público a questão da urgência do socorro aos oiapoquenses, devido ao número crescente de infectados e à falta absoluta de infraestrutura, equipamentos, medicamentos, ou seja, de todos os recursos necessários ao socorro da população local.
“Como resultado dessa pressão, na última semana [de maio] a prefeitura da Guiana Francesa e a direção da Universidade de Guiana vieram a público dizer que iriam prestar ajudar e pediram a nós, componentes desse arco de entidades, uma lista com as demandas mais urgentes e mais necessárias para o atendimento dessa população. Fizemos essa listagem, com medicamentos, material de limpeza, com máscaras, alimentação, para assistir tanto aqueles que moram na cidade de Oiapoque quanto os que moram na zona rural e também nas áreas indígenas, temos vários povos indígenas no Oiapoque que já estão sofrendo com a pandemia”, explicou Lobato.
O Amapá tinha até o dia 8 de junho, segundo dados do governo estadual, 13.294 casos confirmados de pessoas com Covid-19 e 10.486 em análise laboratorial. O estado já registrou 278 óbitos. O Oiapoque aparece em 5º em número de casos, com 573 confirmados e 6 mortes.
Uma das problemáticas no combate ao novo coronavírus na região, segundo Samuel Tracol, membro da presidência do sindicato Snesup (Syndicat National de l’Enseignement Supérieur) e da federação FSU (Federação Sindical Unitária), é que a Guiana seguiu o procedimento de isolamento social da França, tanto em calendário quanto em medidas, ignorando a realidade local. Embora a medida tenha sido bem sucedida entre os guianenses, a suspensão do isolamento coincidiu com a explosão de casos no Amapá. E, devido à proximidade fronteiriça, não é possível ignorar a realidade dos moradores do Oiapoque, por exemplo.
“Essa visão nacional, fechada da pandemia não corresponde à realidade desse mundo. Nessa pandemia a gente vê que o internacionalismo é uma resposta não utópica, mas a mais responsável, a mais técnica e a mais estável. Nossas entidades pedem uma responsabilidade social internacional e a resposta dos governos foi sem vínculo com a realidade. Para ilustrar, todas as decisões que foram tomadas pelo governo francês para a Guiana foram feitas em Paris, com o mesmo calendário de toda a França, sem levar em conta o fato de que estamos na Amazônia. Isso demonstra também o colonialismo absurdo, uma visão do território e dos povos que não tem sentido”, avaliou Tracol.
A Guiana Francesa é um departamento ultramarino da França, que possui uma assembleia local, mas tem assento no parlamento em Paris. A moeda local é o euro.
Alexandra Cretté, professora do ensino médio e representante do sindicato Sud Education, membro da Federação Solidaires, ressaltou que a reivindicação inicial das organizações deu prioridade à necessidade de trabalho entre os dois governos responsáveis pelas políticas de saúde nos territórios e reforçou que resposta a deve ser social antes de ser diplomática. Por isso, seguirão ampliando as alianças e cobrando do por público e seus representantes medidas para além das já realizadas.
Para expandir e consolidar a parceria entre os movimentos, na terça-feira, 9, aconteceu uma reunião com representantes de diversas entidades sindicais - como rodoviários, servidores públicos, servidores do judiciário, da educação - e também membros do poder público e parlamentares dos dois países.
Internacionalismo
Paulo Cambraia, presidente do Sindufap. SSind., contou que a aproximação entre as entidades sindicais surgiu no contexto da luta em defesa da Educação no Brasil, em maio de 2019. E, nesse ano, havia a previsão de realizarem um encontro, mas que foi suspenso devido à pandemia da Covid 19.
“No contexto da pandemia, fomos procurados pelo Samuel Tracol e a partir dessa ponte começamos a construir essa unidade de luta internacional. O primeiro passo foi lançar uma carta, em maio, que estabelecia publicamente nossa aproximação, principalmente da luta política nesse momento de pandemia na região de fronteira”, explicou.
A partir daí, iniciou-se um processo de ampliar a cooperação com outras entidades como o sindicato dos rodoviários, dos servidores da justiça estadual, dos servidores da justiça federal, entre outros.
“Essa é a primeira ação, mas temos já conversas inclusive sobre fomentos de pesquisa, partindo da universidade de Cayena para a Unifap. Mas o principal objetivo é o fortalecimento desse debate político e dessa concepção da solidariedade de classe internacional”, ressaltou Cambraia.
Para o futuro, dirigente guianense Alexandra Cretté disse que fica a expectativa da consolidação de uma cooperação ampliada. “Quando vemos essa crise sanitária, de subsistência, temos agora a possibilidade de trabalhar com a CSP Conlutas, com o sindicato dos docentes, do judiciário, dos rodoviários, dos servidores municipais. Estamos organizando a convergência dessas entidades com a força das organizações guianenses do outro lado. Iremos organizar assembleias virtuais para formalizar reivindicações comuns e uma plataforma de ação”, contou.
Tracol reforçou a necessidade da luta conjunta, em especial dada a similaridade das pautas neoliberais dos governos brasileiro e francês, ao isolamento do território amazônico, segundo ele relegado a uma situação de barbárie, vítima do pensamento liberal pós-colonial.
“Os povos da Amazônia podem não ter atenção, mas têm as ferramentas do poder real na sua região que foi, por um longo tempo, uma região de isolamento, de segregação social e racial. Tudo isso precisa mudar e bem rápido. A gente não vai abandonar essa luta. Basta!”, afirmou.