Uma série de protestos em todos o país, convocados por movimentos feministas, conseguiu desacelerar a tramitação do Projeto de Lei (PL) 1904/2024. O texto, que equipara o aborto após 22 semanas ao crime homicídio, entre outros retrocessos, teve a urgência aprovada na Câmara de Deputados em menos de 30 segundos, em uma manobra do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), no dia 12.
A proposta foi protocolada na Câmara de Deputados, pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) e outros 32 parlamentares, no dia 14 de maio. Três dias depois (17), o Supremo Tribunal Federal suspendeu, através de liminar, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), editada em 21 de março deste ano, que proíbe a utilização de uma técnica clínica (assistolia fetal) para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro. A decisão liminar foi concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1141).
Nessa quarta-feira (19), centenas de pessoas se reuniram em frente ao Anexo II da Câmara para cobrar o arquivamento da proposta, após Lira afirmar que deixaria o tema para ser apreciado por uma comissão no segundo semestre do ano. Com cartazes, camisetas e faixas com dizeres como “Criança não é mãe! Estuprador não é pai!”, “Não ao PL do Estupro”, “Por aborto seguro, legal e gratuito!” e “Fora Lira!”, as e os manifestantes pediam a derrubada da proposta e do presidente da Câmara, que insiste em manter o projeto em pauta.
O Comando Nacional de Greve do ANDES-SN participou do ato, uma vez que a defesa do direito ao aborto legal, seguro e gratuito, garantido pelo Sistema Único de Saúde, integra a pauta de lutas do Sindicato Nacional. No Brasil, a legislação permite a interrupção voluntária da gravidez apenas em casos de estupro, de risco à vida da gestante e quando fica comprovada a anencefalia fetal.
Levante contra o PL 1904/24
Desde que o projeto foi colocado em pauta e sua urgência foi aprovada, várias manifestações foram registradas em todo o país. Atos foram registrados em diversas capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Manaus, Porto Alegre, Recife, Vitória, João Pessoa e em várias cidades brasileiras. Na capital federal, o Comando de Greve do ANDES-SN se somou às manifestantes no Museu da República na noite de 13 de junho.
Além do ato na Câmara de Deputados na quarta (19), protestos também ocorreram em outros locais durante a semana e devem seguir ocorrendo nos próximos dias. Nessa quinta, Natal, Porto Alegre e Florianópolis tiveram novas manifestações. Nesta sexta (21), as mulheres também vão às ruas em Curitiba, Belém e São Paulo. No domingo (23), estão previstas manifestações em Foz do Iguaçu, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.
O que prevê o PL 1904
O PL 1904 equipara o aborto acima de 22 semanas gestacionais, mesmo aqueles para casos garantidos em lei, ao crime de homicídio e prevê pena de até 20 anos de prisão para as mulheres, meninas e pessoas que gestam que realizarem a interrupção da gravidez.
Ou seja, impõe o limite de 22 semanas para os abortos em casos de vítimas de estupro, ou em casos de risco de morte para a gestante e de fetos anencéfalos. Nessas situações, a legislação atual garante a interrupção da gestação sem prazo determinado.
As meninas serão as mais penalizadas com a medida, por isso, movimentos feministas e que lutam da defesa da vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam estão chamando o projeto de PL da Gravidez Infantil. Em 2022, o Brasil registrou 65.569 estupros de mulheres e meninas, o maior número da história. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 2023, 48.921 (74,6%) das vítimas eram meninas menores de 14 anos.
Tempo de prisão
Atualmente, de acordo com o Código Penal, a pena para quem aborta nos casos não amparados pela lei é de 1 a 3 anos. E para quem realiza aborto em uma terceira pessoa é de 3 a 10 anos. Se a proposta for aprovada, ambos os casos passariam a ter ampliado o tempo de prisão, em conformidade ao crime de homicídio, de 6 a 20 anos, com o acréscimo de que, até mesmo os abortos garantidos por lei, se feitos em idade gestacional superior a 22 semanas, seriam também punidos com o mesmo tempo de prisão.
Ou seja, o PL 1904 prevê um tempo maior de prisão para quem realizar o aborto do que para homens que cometem estupros. Se o projeto for aprovado, as mulheres vítimas de estupro que realizarem aborto após 22 semanas de gestação podem ser presas por até 20 anos, enquanto seus estupradores podem ser soltos em menos de 10 anos.
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