Nova proposta é usada como contrapartida pelo governo para a volta do auxilio emergencial
O relator da PEC Emergencial, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), protocolou na terça-feira (23) o parecer final sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, que cria mecanismos de ajuste fiscal para União, estados e municípios. A votação está marcada para ocorrer nesta quinta-feira (25) no Senado Federal. A PEC Emergencial viabiliza o pagamento do auxílio emergencial, sem a necessidade de cortar despesas ou apontar novas fontes de receitas. Entretanto, a mesma proposta revoga dispositivos da Constituição Federal que garantem o percentual de repasse mínimo para Educação e Saúde nos três níveis da federação.
Atualmente, os estados e municípios são obrigados a destinar o mínimo de 25% de seus recursos para a Educação. Já na área da Saúde, os estados precisam destinar 12% da receita e os municípios, 15%. No caso da União, esse porcentual era de 15% da receita corrente líquida para a Saúde e 18% para a Educação até a aprovação da Emenda Constitucional (EC) 95, do Teto dos Gastos, que passou a atualizar o valor pelo ano anterior, mais a correção inflacionária. A revogação dos dispositivos constitucionais ainda comprometerá, inclusive, os repasses ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
O relatório propõe a inclusão de um dispositivo na Constituição sobre “cláusula de calamidade pública de âmbito nacional”. O texto permite que, durante o exercício financeiro de 2021, a proposição legislativa que tenha o objetivo exclusivo de conceder auxílio emergencial para enfrentar as consequências sociais e econômicas da pandemia da Covid-19 ficará “dispensada da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa”.
O governo tem a proposta de vincular o auxílio emergencial ao fim da exigência de um gasto mínimo em Saúde e Educação. A medida é uma atrocidade devido ao momento de pandemia, em que o Brasil está prestes de chegar a 250 mil mortes em decorrência da Covid-19, com a ameaça ao funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com Luiz Araújo, 3º vice-presidente do ANDES-SN, este é um retrocesso só vivido em períodos militares. “A vinculação de recursos é uma conquista, no caso da educação, de 1934. Nós só perdemos a vinculação de recursos duas vezes na história do Brasil, no Estado Novo [1937-1946] e a na ditadura militar [1964-1985]. Desvincular recursos é deixar nas mãos de governadores e prefeitos o quanto irão gastar em Educação e Saúde, o que significará uma redução generalizada dos gastos nessas áreas”.
O docente alerta para a possibilidade, caso a proposta avance desta maneira, dos cortes recaírem nas instituições de ensino superior (IES) públicas. “O Congresso aprovou para a Educação Básica, criando um novo artigo à Constituição Federal, o Fundeb como permanente e parte da vinculação constitucional dos 25% e aumentou repasses da União para o fundo. É muito difícil que se consiga voltar atrás do que foi aprovado por unanimidade há seis meses. Então, o risco hoje é o de juntar a vinculação da Saúde e Educação, e quem sabe manter o Fundeb, mas atacando as verbas das universidades e institutos federais. E qual o alvo da redução, se os gastos com manutenção e custeio já são escassos? É deixar sem garantias constitucionais os gastos com as universidades, o que abrirá as portas para o debate de medidas privatizantes e da busca de recursos fora do orçamento, via Future-se. É um combo de maldades que está sendo discutido no Congresso”. Para Luiz Araújo, os ataques serão concentrados nos direitos dos servidores públicos.
Servidores públicos
Outro ponto polêmico do texto diz respeito às alterações que impactam os servidores públicos e, consequentemente, o funcionamento dos serviços públicos no país. A PEC Emergencial modifica limites para gastos com pessoal e proíbe que novas leis autorizem o pagamento retroativo desse tipo de despesa. No caso, estariam vedadas: a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa; a alteração de estrutura de carreira; e a admissão ou contratação de pessoal ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa.
Também estariam proibidas a realização de concurso público; a criação ou prorrogação de auxílios, vantagens, bônus, abonos, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores, empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes; e a criação de despesa obrigatória.
Tramitação
Como é uma proposta de emenda à Constituição, essa matéria precisa ser aprovada em dois turnos, por no mínimo 49 senadores. Entre os dois turnos, é necessário um intervalo de cinco dias úteis — mas esse interstício pode ser revisto se houver entendimento entre os líderes. A PEC Emergencial integra um pacote apresentado pelo Executivo denominado Plano Mais Brasil, que conta com a PEC do Pacto Federativo (188/2019) e a PEC dos Fundos Públicos (187/2019). Juntas, as propostas desobrigam a União de promover serviços públicos à população, ataca diretamente os servidores públicos e permite a transferência dos recursos públicos para a iniciativa privada.
Por fim, o diretor do Sindicato Nacional afirma que o presidente Jair Bolsonaro - com a queda da sua popularidade - tem agido desesperadamente para sinalizar ao mercado financeiro que é confiável. “É a situação dos sonhos do mercado financeiro e o Bolsonaro, para manter a presidência, está entregando os anéis do povo brasileiro, que são as políticas públicas. Nós não vamos permitir e estamos organizando toda a sociedade civil, as entidades sindicais, populares, educacionais para impedir esse retrocesso no Congresso Nacional”, disse.
Mobilização
O ANDES-SN participou na terça-feira (23) de uma reunião, convocada pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), para analisar a PEC 186. O encontro virtual contou com deputadas e deputados federais, representantes de senadores, entidades educacionais e estudantis, além de secretárias e secretários estaduais e municipais, consultoras e consultores do Congresso e especialistas da área de financiamento da Educação.
Na reunião, José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), explicou que, caso a PEC seja aprovada, a Educação sofrerá uma perda de 40% do total que se investe hoje. Na prática, seria uma redução de R$ 74,4 bilhões anuais no orçamento. Em um cenário negativo, considerando que o texto avançaria sobre o Salário Educação e os programas do FNDE, as perdas poderiam chegar a R$ 92 bilhões.
De acordo com José Sávio Maia, 2º vice-presidente da Regional Norte I do ANDES-SN, as e os presentes relataram a gravidade do relatório enviado pelo relator, Marcio Bittar, especialmente no que diz respeito à desvinculação dos recursos da Saúde e Educação, como também o congelamento de salários e a inclusão dos gastos com aposentadoria nessas receitas.
“Os principais encaminhamentos foram no sentido de barrar a aprovação da PEC 186, seja retirando-a da pauta no Senado, ou modificando seus pressupostos. As deputadas e os deputados alertaram para o fato de que na Câmara a situação parece ser mais favorável ao governo neste momento, caso seja aprovada no Senado. Portanto, hoje (24) e amanhã (25) serão dias de intensas mobilizações para pressionar as e os senadores pela não aprovação desse relatório”, afirma.
Entre as ações de mobilização estão a realização de uma audiência com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a intensificação da pressão sobre as e os senadores, envio de e-mails e redes sociais, além das cartas públicas das entidades chamando a atenção para as consequências nefastas da PEC 186.
Confira a nota de repúdio do ANDES-SN à PEC 186
Veja o relatório da PEC 186 na íntegra
Com informações da Agência Senado e Consed
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