Todos os dias, cerca de 12 mil mulheres privadas de liberdade trabalham no sistema prisional brasileiro, para entidades públicas e privadas, sem direitos trabalhistas básicos. Algumas cumprem escala de 44 horas semanais, outras são cobradas por produtividade, mas nenhuma tem contrato de trabalho.
Direitos como a carteira assinada, o 13º, o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e a hora extra foram vetados a esse grupo de mulheres por uma lei de 1984, a Lei de Execução Penal (LEP). A norma obriga toda pessoa condenada a trabalhar, com “finalidade educativa e produtiva”, e expressamente desvincula as tarefas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). A regra permite ainda que a remuneração seja menor do que um salário mínimo – e as penitenciárias ficam com uma parte.
É com base nessa lei que estados e empresas gerem a força de trabalho de milhares de mulheres detentas no país. Gastando menos com salários, ou mesmo sem pagá-las, eles oferecem vagas em atividades como costura, montagem de peças e fabricação de produtos, além de atividades internas nos presídios, como manutenção geral, limpeza e cozinha.
Porém, os relatos de egressas e detentas à Repórter Brasil mostram que esse modelo de trabalho deixa as mulheres mais vulneráveis e sujeitas a abusos. Elas dizem serem comuns os atrasos de salário ou mesmo a falta de pagamentos. Muitas vezes não recebem capacitação ou treinamento específico para as máquinas que operam. Alegam trabalhar sem equipamentos de segurança ou uniformes adequados. E em casos de acidente, não recebem auxílios sociais como os demais trabalhadores, carregando sequelas laborais pelo resto da vida, sem apoio.
“O trabalho penal é mais uma forma de punição”, avalia a advogada Iara Medeiros, pesquisadora do direito do trabalho na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). “A pena é a privação de liberdade e ponto. Não é a oferta de trabalho precário no cárcere, péssimas condições de saúde e alimentação”, reforça.
Foi nesse vazio de direitos que Marcela Cristina Pereira, de 29 anos, perdeu o antebraço esquerdo na Penitenciária Feminina de Sant’Anna, em São Paulo. Em 2019, ela trabalhava para a Ideal, uma fábrica de lâmpadas instalada na unidade, quando seu moletom ficou preso em uma máquina industrial. “Quem me treinou foi uma companheira também presa”, responde ela sobre a qualificação que recebeu.
Marcela chegou ao hospital com os pés algemados e viu seu antebraço ser transportado em uma caixa de papelão, sem gelo, oito horas depois. “O médico mostrou uma foto e disse que não tinha como reimplantar. Estava preto”, relembra. A cirurgia foi feita 20 horas após o acidente. No domingo, já estava de volta à cela, onde passou os dias seguintes com fortes dores e acesso limitado a analgésicos, ela diz.
Sem vínculo empregatício, Marcela ficou sem salários enquanto não voltou a trabalhar. Como indenização, recebeu R$ 42 mil do seguro contratado pela empresa, enviados diretamente a sua mãe e sua filha. Procurada pela reportagem, a Ideal não se manifestou.
Caso tivesse a carteira assinada, Marcela teria direito ainda ao auxílio-acidente, uma indenização paga ao segurado do INSS quando uma sequela permanente reduz sua capacidade laboral. Esse benefício é pago mensalmente até o trabalhador se aposentar.
Marcela teve problemas também para acessar a reserva do salário penal, o pecúlio – uma conta onde é depositado o que sobra dos salários, após descontos feitos pela administração penitenciária. Quando progrediu ao regime aberto, em 2024, ela recebeu um cheque de R$ 1.500, mas até hoje não acessou o valor, alegando problemas na numeração do documento.
A cada 10 detentas, 4 trabalham
A população carcerária feminina vem caindo nos últimos anos e chegou a 28,7 mil pessoas no primeiro semestre de 2024, segundo os dados mais recentes do Sisdepen (Sistema Nacional de Informações Penais), compilados pela Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), do Ministério da Justiça. Do total de mulheres privadas de liberdade, um terço cumpre prisão provisória (quando não há condenação) e a maior parte delas (62%) são negras.
Já o número de mulheres trabalhando também estava em queda até 2020, quando chegou a 9.322 trabalhadoras. Passou a crescer desde então, subindo 27% em quatro anos, com 11.904 mulheres ocupadas em 2024.
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Fonte: Repórter Brasil, por Adriana Amâncio e Mariana Rosetti