II Seminário de Multicampia e Fronteira do ANDES-SN discute desafios da educação em regiões fronteiriças

Publicado em 14 de Março de 2025 às 00h33. Atualizado em 15 de Março de 2025 às 22h53

Teve início nesta quinta-feira (13) o II Seminário de Multicampia e Fronteira do ANDES-SN, realizado em Boa Vista (RR). Organizado pelo Grupo de Trabalho de Multicampia e Fronteira (GT Multi-Front) em parceria com a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Roraima (Sesduf-RR SSind.), a abertura do evento reuniu mais de 70 docentes no auditório do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Roraima (UFRR), localizado no Campus Paricarana, para debater as especificidades, os desafios e a relevância do trabalho docente em regiões de multicampia e fronteira, além de destacar a necessidade de uma política nacional para enfrentar a precarização.

Foto: Eline Luz/Imprensa ANDES-SN

A mesa de abertura contou com a presença de representantes de entidades sindicais, institucionais e de movimentos sociais. Maria de Nazaré Nunes, dirigente do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacou que o movimento atua no estado desde 2006, na formação das trabalhadoras e dos trabalhadores rurais, mas também das e dos que estão na cidade. Para ela, participar do evento fortalece a luta em uma fronteira marcada por conflitos com garimpeiros e grileiros.

Laura Beatriz Secundino, presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFRR, citou o educador Paulo Freire ao afirmar que "a educação é liberdade", e que essa liberdade só é possível por meio do estudo. Segundo a estudante, a universidade tem um papel fundamental na formação e inclusão, chegando a comunidades indígenas e preservando suas línguas, essenciais para a identidade nacional. Ela reforçou a importância da permanência estudantil para indígenas, ribeirinhos e imigrantes venezuelanos, especialmente em Roraima, onde há grande fluxo migratório. 

Ornildo Roberto de Souza, presidente do Sinasefe, destacou que a educação no Brasil não é tratada como prioridade e que trabalhadoras e trabalhadores do setor da Educação devem lutar por uma educação pública de qualidade e voltada às necessidades da população, mesmo com os desafios postos. 

Já Antônio Carlos Araújo, presidente da Sesduf-RR SSind., reconheceu os desafios enfrentados pelas e pelos docentes na integralização da Universidade Federal de Roraima, especialmente na educação à distância e no transporte para a fronteira, que impõe custos extras. Ele afirmou que a UFRR tem se mostrado mais atuante e colaborativa, e que a seção sindical segue aberta a parcerias para fortalecer ações conjuntas.

Jennifer Webb, 1ª tesoureira do ANDES-SN, destacou que o seminário representa a trajetória do sindicato, desde a primeira edição em Foz do Iguaçu e, agora, no extremo norte do país, reforçando a amplitude da luta. Também marca um ano da criação do GT Multicampia e Fronteira, voltado para atender demandas específicas das universidades nessas regiões. Webb enfatizou ainda que o seminário fortalece a formação e a troca de experiências, essenciais para subsidiar as lutas do sindicato e respeitar as particularidades das instituições estaduais, federais, municipais e distritais. 

Estiveram na mesa ainda Ana Lucia Gomes, 1ª vice-presidente da Regional Norte 1 e do GT Multi-Front, e Francisco Rafael Leidens, presidente do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual de Roraima (Sinduerr SSind.). Logo após a mesa de abertura, houve uma apresentação da dança Parixara, que é um ritual de celebração da ancestralidade e da natureza do povo indígena Wapichana. 

Histórico e desafios 
A mesa “Histórico dos debates de multicampia e fronteira no ANDES-SN e debate” contou com Alexandre Galvão, 2º secretário do ANDES-SN e da coordenação do Setor das Instituições Estaduais, Municipais e Distrital de Ensino Superior (Iees, Imes e Ides). O diretor do Sindicato Nacional abordou o histórico e os desafios da multicampia nas universidades estaduais, municipais e distrital, e também das federais, abordando os impactos na organização sindical e na precarização do trabalho docente. 

Foto: Eline Luz/Imprensa ANDES-SN

Galvão resgatou que o tema tem sido central nos encontros do ANDES-SN desde 1997, no 16º Congresso. A expansão das universidades multicampi, especialmente nas federais e estaduais, gerou fragmentação geográfica e organizacional, dificultando a mobilização sindical e a participação democrática.

Em 2013, a multicampia foi debatida em relação à organização sindical, e em 2014, um seminário consolidou a discussão. O XIII Encontro Nacional do Setor das Iees/Imes, em 2015, reforçou a relação entre multicampia e precarização. A expansão das universidades, segundo Galvão, contribuiu para a interiorização do ensino superior, mas também aprofundou a precarização, muitas vezes por interesses políticos.

Conforme Galvão, há seis modelos de organização sindical, em relação à participação da categoria, tanto em assembleias quanto na direção. Dois modelos gerais foram observados: um com diretoria centralizada, onde todas as decisões eram canalizadas para a direção, e outro com diretorias descentralizadas, que permitiam maior participação local. 

Esses modelos, debatidos em encontros nacionais, mostraram desafios para garantir ampla participação sem enfraquecer a unidade sindical. O uso de tecnologia para assembleias remotas foi discutido e rejeitado, mas durante a pandemia da covid-19, garantiu, em condições extraordinárias, a participação ativa das e dos docentes. 

“Esses modelos foram debatidos em um encontro nacional, que identificou desafios para a participação sindical em universidades multicampi. Um dos principais problemas era a distância entre os campi, dificultando a participação direta dos docentes quando as decisões eram centralizadas. Ao mesmo tempo, assembleias em subseções poderiam fragmentar os encaminhamentos sindicais. O debate girou em torno da melhor forma de garantir ampla participação sem enfraquecer a unidade sindical”, afirmou.

De acordo com o diretor do Sindicato Nacional, a multicampia é uma realidade complexa, com a precarização sendo um desafio central. O 35º Congresso do ANDES-SN consolidou diretrizes para garantir condições adequadas para a expansão e interiorização das universidades, como a estabilidade de financiamento, concursos públicos e políticas de moradia e transporte. Em 2019, o debate ampliou-se para incluir fronteiras e os desafios das universidades nas regiões fronteiriças. Galvão concluiu que a flexibilidade do Estatuto do ANDES-SN permite diferentes formas de organização sindical, dependendo da realidade local, visando a participação democrática e a autonomia sindical.

“A realidade e a experiência locais é que devem definir a organização sindical. As seções sindicais têm adotado diferentes estratégias com o fim de envolver a categoria na vida sindical. Contudo, considerando que o local de trabalho é a instituição, o horizonte é pensar em uma única seção sindical por instituição, contemplando possibilidades intermediárias construídas a partir da experiência vivida em cada realidade”, ponderou. 

Andreia Moassab, docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) que também compôs a mesa, contou que a Unila foi estabelecida em Foz do Iguaçu (PR), uma cidade marcada pela intensa relação com suas fronteiras com Paraguai e Argentina. 

Ela destacou a falta de amparo jurídico para atividades transfronteiriças e os obstáculos burocráticos, como restrições ao transporte de equipamentos e exigências de afastamento prévio para docentes na Unila. Foram identificadas demandas como a flexibilização das portarias para viagens, transporte de equipamentos, seguro para atividades, reconhecimento do bilinguismo, adicional de fronteira e alterações em decretos sobre afastamentos ao exterior.

Segundo a docente, desde a sua fundação em 2015, a Seção Sindical dos Docentes da Unila (Sesunila SSind.) iniciou debates sobre o adicional de fronteira, questionando se as e os docentes teriam direito a esse benefício. Em 2016, começaram a buscar esclarecimentos, pois, apesar de atravessarem cotidianamente a fronteira para ensino, pesquisa e extensão, não tinham respaldo institucional adequado. Havia dificuldades, como a impossibilidade de usar veículos da universidade para essas atividades. 

No ano de 2017, as e os docentes iniciaram pesquisas para detalhar as especificidades do trabalho na fronteira e suas implicações laborais. “A gente organizou uma pesquisa junto à nossa base, justamente para detalhar quais são as especialidades trabalhistas na fronteira, que tipo de implicação isso tem para a nossa insegurança, inclusive, laboral”, contou.

Já em 2019, a questão foi levada ao Congresso do ANDES-SN, com a proposta de criação de um GT sobre fronteira. Embora o GT não tenha sido aprovado de imediato, o debate foi pautado e resultou na realização de uma reunião sobre o tema. A pandemia, em 2020, atrasou o avanço das discussões, mas, em 2022, ocorreu o I Seminário Multicampia e Fronteira.

Moassab destacou que a mobilização persistiu e, em 2024, durante o 42º Congresso do ANDES-SN, foi finalmente aprovado o GT Multicampia e Fronteira. Desde então, reuniões têm sido realizadas e o II Seminário reforçou a importância de consolidar políticas voltadas às e aos docentes que atuam nessas regiões.

Regulamentação 
Na segunda mesa “Aspectos histórico-legais sobre as questões de multicampia e fronteira relacionados às professoras e aos professores do ensino federal no Brasil”, Breno Santos, 1º vice-presidente da Regional ANDES-SN e integrante do GT Multi-Front, (UFMT), destacou a regulamentação do adicional, previsto no artigo 71 da Lei nº 8.112/90, que trata do Regime Jurídico Único (RJU) e no artigo 7º, XXIII, da Constituição Federal. 

Foto: Eline Luz/Imprensa ANDES-SN

Desde o 36º Congresso do ANDES-SN, realizado em Cuiabá (MT), a categoria tem deliberado pela garantia de condições de trabalho salubres e seguros e, na ausência delas, pela remuneração adicional. No 42º Congresso, em Fortaleza (CE), reforçou-se a necessidade de pressionar o governo federal para regulamentar o benefício, luta que se intensificou nos Congressos e Conads seguintes.

De acordo com Breno Santos, embora o adicional de atividades penosas esteja previsto na legislação, sua regulamentação ainda depende de um ato normativo do Executivo. Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a omissão do Congresso Nacional e fixou um prazo de 18 meses, a partir de junho do ano passado, para a adoção das medidas necessárias à sua implementação.

O diretor do Sindicato reforçou ainda a situação das e dos docentes que desenvolvem suas atividades em regiões de fronteira. Ele destacou a importância da fixação das e dos profissionais, a necessidade de garantir condições dignas de trabalho.  “Precisamos continuar construindo estratégias para que o adicional de fronteira e de penosidade seja garantido, sem que a falta de regulamentação continue prejudicando os docentes que atuam em condições mais adversas”, ressaltou.

Vicente Poerschke, representante da Assessoria Jurídica Local da Sesduf-RR SSind., contou um pouco da experiência da Sesduf-RR SSind., que entrou com uma ação judicial em 2011 para reconhecer o adicional de fronteira para as servidoras e os servidores da universidade, com base na portaria do Ministério Público da União (MPU), que regulamentou esse benefício para suas trabalhadoras e seus trabalhadores. No entanto, a ação coletiva teve um desfecho desfavorável, conforme relatou o advogado, levando 12 anos para ser concluída.

“Essa situação demonstra que a questão do adicional de fronteira já está pacificada de forma desfavorável à categoria. Em 2014, o STJ [Superior Tribunal de Justiça] deixou claro que não ultrapassaria os limites legais para conceder esse direito sem regulamentação específica”, disse.

O advogado explicou que, atualmente, requerimentos, coletivo ou individual, para obter o adicional de fronteira tendem a ser negados tanto administrativamente quanto judicialmente. Até que isso ocorra, a situação permanece indefinida, e eventuais retroativos só serão discutidos após a normatização.

Após os debates, as e os docentes contaram como a apresentação musical de Eliakin Rufino, poeta, cantor, escritor, professor aposentado, e Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Roraima (UERR). As músicas abordaram temas ambientais, sociais, políticos e existenciais, com letras ácidas. 

Seminário
O II Seminário de Multicampia e Fronteira do ANDES-SN segue com programação até sábado (15) em diferentes campi da UFRR. A proposta é descentralizar o local de realização das atividades nos próximos dias para que docentes conheçam de perto as dificuldades enfrentadas pela comunidade acadêmica nessas regiões.

O evento é uma deliberação do 67º Conad, realizado no ano passado em Belo Horizonte (MG). O I Seminário ocorreu na Unila em dezembro de 2022. Na ocasião, foram discutidos temas fundamentais relacionados à realidade das e dos docentes nessas regiões.

Compartilhe...

Outras Notícias
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
EVENTOS
Update cookies preferences