O Brasil é um dos paises da América Latina com o maior aumento de casos de novas infecções por HIV nos últimos anos, como indicam dados divulgados pelo Programa Conjunto da ONU para HIV/Aids, o UNAIDS. Entre os anos de 2010 e 2018, o país registrou um crescimento de 21%, mostra o levantamento da entidade.
Entretanto, segundo a médica Adele Benzaken, diretora regional para América Latina da International Union Against Sexually Transmitted Infections (IUSTI), com doutorado em Saúde Pública pela Fiocruz, esse aumento se justifica porque, durante o mesmo período, houve um significativo incremento no diagnóstico da doença. "Utilizamos testes rápidos, amplamente distribuídos por todo o país. Consequentemente, foi possível uma detecção maior de novas infecções", afirma a especialista. Tanto que, de acordo com a médica, o Brasil estava com 84% das pessoas diagnosticadas em 2018, número muito próximo da meta estabelecida pela UNAIDS, que é de 90%.
Por outro lado, em 2019, o programa brasileiro de combate à disseminação do vírus HIV, o qual, por décadas, foi referência internacional na luta contra a Aids, sofreu intervenções do atual governo. Por meio de um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, pelo ministro da Economia Paulo Guedes e pelo então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o nome do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais foi alterado para Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, rebaixando a área de HIV/Aids a uma coordenação. Ou seja, o novo departamento agora também se ocupa de outros agravos como Hanseníase e Tuberculose, infecções que nada têm em comum com as IST e HV.
Imediatamente, diversas ONGs, associações e especialistas que atuam na luta contra a doença reagiram à medida. "Parece que querem tornar o HIV invisível", protesta Adele, que teme pela divisão do mesmo orçamento com outros agravos, além de uma junção de profissionais que trabalham com doenças que não têm nada em comum. "Foram colocados juntos profissionais que não dialogam", observa a médica.
Para Antônio Gonçalves, médico e presidente do ANDES-SN, a medida significou o enfraquecimento da política brasileira de combate ao HIV/Aids. "Inviabiliza o programa e muda a forma de governança, desconsiderando a participação social e a intersetorialidade", diz o presidente. "O descaso do governo Bolsonaro com a vida, expresso também no enfrentamento da pandemia da Covid-19, tende a aumentar o número de casos e mortes por HIV/Aids, que são crescentes e acima de 12 mil mortes ao ano, principalmente de populações mais pauperizadas e estigmatizadas", alerta Gonçalves.
No início deste ano, Bolsonaro chegou a declarar que pessoa com HIV é uma despesa para todo o Brasil. "Expressa parte dos retrocessos civilizatórios que busca impor esse governo, com apoio de uma base social conservadora nos costumes e que intensifica todas as formas de opressão", rebate Gonçalves. Para a médica, a declaração é uma demonstração da total falta de conhecimento do presidente Bolsonaro. "Ele não sabe, por exemplo, que uma pessoa tratada não transmite o HIV e, portanto, gera menos despesas para o país. Ele não sabe que pessoas em tratamento não adoecem e, portanto, geram menos despesas para o serviço público com internação", diz Adele, que ainda sugere o desconhecimento do presidente de que a Constituição assegura o tratamento de pessoas vivendo com HIV. "Portanto, é uma obrigação do governo."
Esperança brasileira
Em julho, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apresentaram o resultado de uma pesquisa realizada com um homem de 34 anos, diagnosticado com o vírus HIV, em 2012. Tratado com um novo coquetel de medicamentos, há mais de dois anos o paciente está sem carga viral detectável.
"O estudo da Unifesp nos traz esperança e evidencia a importância das Instituições Públicas (IES) na geração de novos conhecimentos. Entretanto, as politicas públicas de Ciência e Tecnologia do governo federal e de alguns governos estaduais vão em sentido contrário ao de garantir o financiamento e autonomia das pesquisas", afirma Gonçalves.
Adele, que também critica a falta de incentivo por parte do governo, considera que o resultado da Unifesp mostra para o mundo a seriedade os pesquisadores brasileiros e a capacidade de fazer história e apresentar resultados inéditos para a comunidade científica internacional. "Esse é mais um passo para a cura! Que venham melhores tratamentos e vacinas", celebra a médica.
Imagem: Sec. Saúde/MG