Parte da comunidade acadêmica da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) pode passar automaticamente a integrar novas universidades. É o que prevê um Projeto de Lei (PL) encaminhado para o Congresso Nacional no último dia de dezembro. Caso aprovado, estudantes, docentes e técnicos dos institutos de Parintins, Itacoatiara, Coari e Benjamin Constant serão transferidos para outras instituições.
A comunidade reclama que, além do processo ter sido executado sem diálogo, o governo federal está desconsiderando questões como geografia, logística e comunicação. Os professores preveem a intensificação da precarização nos institutos, que sofrem com uma série de problemas estruturais.
O envio do PL foi divulgado na mensagem n. 799 de Michel Temer (MDB), publicada em 31 de dezembro no Diário Oficial da União. O projeto prevê a alteração das leis 11.892/2008; 12.706/2012 e 11.740/2008. Propõe a criação de Institutos Federais de Educação e das universidades federais do Médio e Baixo Amazonas (Ufembam) e do Médio e Alto Solimões (Ufemas).
O presidente da Associação dos Docentes da Ufam (Adua Seção Sindical do ANDES-SN), Marcelo Vallina, afirmou que a medida resulta de uma decisão autoritária. “De cima para baixo, típica da relação entre tecnocratas de plantão e interesses pouco claros”, criticou.
O docente questionou ainda: “Quais os argumentos para, no contexto atual de ataques à educação e às universidades públicas, criar duas novas universidades no Amazonas? Qual o impacto econômico, político, social e cultural para o desenvolvimento regional? Qual a opinião da sociedade e da comunidade universitária? Nada disto parece ser possível de responder sem um amplo debate”.
Integrante do Conselho de Representantes das Unidades (Crads), o docente Solano Guerreiro, do Instituto de Natureza e Cultura (INC), de Benjamin Constant é um dos afetados. Ele elencou fatores que indicam que a precariedade do trabalho deve ser ampliada. “Já estamos cheios de dificuldade fazendo parte da Ufam que tem uma estrutura de médio/grande porte, imagina de uma [instituição] nova. Já sofremos com problemas administrativos para fazer a logística e comunicação com a sede, entre interior e capital, imagina entre interior e interior”, disse.
Guerreiro ressaltou ainda que as regiões apresentam peculiaridades que estão sendo minimizadas no PL. Para ir à Coari, menciona, é necessário transporte fluvial, pois não há transporte aéreo. Além disso, a questão administrativa pode ser afetada, pois toda a correspondência vai para a triagem na Central dos Correios em Manaus e só depois vai para Coari. “Então, inviabilizaria mais a comunicação e os processos que venham a ser necessários para o funcionamento da instituição”, afirmou.
Ele acrescentou também que outros pontos prejudicais são a falta de qualidade da internet na região e o número insuficiente de servidores previsto no projeto.
Quadro pessoal
O projeto prevê a transferência automática dos cursos de todos os níveis, dos alunos e dos cargos e das funções ocupados e vagos do Quadro de Pessoal da Ufam. Conforme o documento, serão criados para o quadro de pessoal das universidades, 107 cargos para cada uma das instituições “sem aumento de despesa”.
A Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2019, sancionada no último dia 15 pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), projeta a criação de 2.095 cargos. A lei só indica uma expectativa de criação de cargos e de ocupação de cargos vagos. No entanto, o governo não é obrigado a preencher essas vagas e já manifestou que não há previsão de concursos para o funcionalismo federal.
Sedes
Conforme o PL, a Ufembam terá sede e foro em Parintins e será integrada pelos campi desse município e de Itacoatiara. Já a Ufemas terá sede e foro em Coari e irá abranger também Benjamin Constant. As universidades terão natureza jurídica de autarquias, vinculadas ao Ministério da Educação (MEC).
Votação do PL
A Ufam disse, por meio da assessoria de Comunicação, que a perspectiva é que o PL seja apreciado já em fevereiro. “A Presidência da República encaminhou para o Congresso no último dia 3 de janeiro. Quem deverá despachar e sugerir as comissões pelas quais a PL deve passar é a nova mesa diretora, que deve iniciar os trabalhos em meados de fevereiro”, informou a universidade.
Questionado sobre o andamento do PL, o MEC limitou-se a informar que o “Executivo não trata de assuntos pertinentes ao Legislativo”. Tanto o ministério quanto a Ufam não souberam informar quais serão os parlamentares responsáveis pela apreciação do PL.
Um abaixo-assinado de docentes da Ufam contrários à criação das universidades, mas que defendem a interiorização como um projeto bem-sucedido, circula na internet.
A 2ª vice-presidente da Adua SSind., Milena Barroso, critica a falta de avaliação tanto do desmembramento autoritário quanto do projeto de interiorização ocorrido na Ufam. “Alguns pensam que foi bem-sucedido, mas de fato nunca houve debate na universidade sobre a situação da multicampia”, afirma.
O professor Sandro de Jesus compartilha da opinião de que é preciso haver diálogo entre a instituição e os servidores. “A Ufam vai cortar seus vínculos com essa parte do território, é um futuro de incertezas, afeta muito quando o processo decisório não é transparente, não leva em conta a opinião da comunidade afetada”, disse.
Fonte: Adua SSind. Com edição do ANDES-SN