Um ano após iniciar seus trabalhos, a Convenção Constitucional do Chile apresentou no dia 4 de julho (segunda-feira) a conclusão de seus trabalhos e a proposta de uma nova Carta Magna para o país. Agora, o texto deverá ser aprovado em plebiscito no dia 4 de setembro.
Entre as mudanças propostas está o reconhecimento do Chile como Estado Plurinacional e a inclusão das nações indígenas e seus sistemas na Constituição, a desmilitarização da polícia, paridade de gênero em todos os poderes de Estado e o acesso à saúde e educação como direito universal.
O processo da Constituinte foi iniciado em 2019 após uma série de manifestações que levou milhões de pessoas às ruas e foram duramente reprimidas pelo governo chileno. Em outubro de 2020, foi realizado um plebiscito no país, no qual 78% dos participantes -5,8 milhões de votos – disseram “sim” para uma nova constituição, para substituir a Carta Magna vigente, resquício da ditadura de Augusto Pinochet.
O texto elaborado possui 390 artigos e está dividida em dez eixos. Todo o conteúdo da nova proposta de Constituição só foi incluído após aprovado por, no mínimo, 75% dos e das constituintes, eleitos e eleitas por voto popular e com paridade de gênero.
A nova proposta será amplamente divulgada à população nos próximos dois meses e irá à votação no dia 4 de setembro. Se aprovado, entrará imediatamente em vigor.
"Nós, povo do Chile, conformado por diversas nações, nos outorgamos livremente esta Constituição, acordada num processo participativo, paritário e democrático", diz o preâmbulo da nova Carta Magna.
Confira abaixo algumas das mudanças propostas (fonte: Brasil de Fato):
Estado Plurinacional
A nova Constituição prevê que o Chile seja reconhecido com um Estado Plurinacional, incorporando as dez etnias indígenas existentes no país, cerca de 12% da população, e seus próprios sistemas jurídico, representativo, eleitoral, entre outros.
Desta forma, serão reconhecidos como emblemas nacionais os símbolos e bandeiras das nações Mapuche, Aymara, Rapa Nui, Lickanantay, Quechua, Colla, Diaguita, Chango, Kawashkar e Yaghan, Selk'nam.
Democracia Participativa
O novo texto reconhece o Chile como uma "república solidária, inclusiva e paritária", com valores irrenunciáveis de "liberdade, igualdade substantiva entre os seres humanos".
Determina que cada organismo estatal deva incentivar a participação ativa dos cidadãos. Também cria-se a possibilidade e que novas leis de iniciativa popular sejam propostas ao Poder Legislativo, desde que tenham apoio de 3% do eleitorado.
Já para derrubar uma norma será necessário o apoio de 5% dos eleitores para iniciar um referendo de revogação total ou parcial de uma ou mais leis. O novo texto também prevê a realização de novos referendos constitucionais, que deverão ter apoio de 10% dos eleitos, para iniciar um processo de reforma da constituição.
Reforma entre poderes
A nova carta magna propõe que haja paridade de gênero em todos os poderes do Estado. O Legislativo será formado por duas câmaras paritárias com 155 parlamentares eleitos por voto direto.
Também indica a criação de Câmaras Regionais com três representantes eleitos.
O Executivo continuará sendo regido por um sistema presidencial, com mandato de quatro anos e possibilidade de reeleição imediata - a regra não se aplica ao atual presidente Gabriel Boric.
Ao Poder Judicial serão incorporados os tribunais de instâncias: civis, penais, da família, do trabalho; assim como cortes de apelação e a Corte Suprema. O Conselho de Justiça estará encarregado de nomear os magistrados e gerir o judiciário.
O Estado também irá reconhecer o sistema de justiça dos povos originários e incorporá-lo em pé de igualdade.
O texto também prevê a desmilitarização da polícia, remodelando os carabineros, que estarão sob comando do ministério do Interior. Já as Forças Armadas estarão sob direção do ministério da Defesa, e terão a finalidade de defender a soberania nacional ante ameaças externas.
Finanças do Estado
O Chile foi considerado um laboratório do modelo neoliberal que tornou-se hegemônico a partir dos anos 70. Ainda que a nova constituição aumente as funções de fiscalização do Estado sob as finanças, ela mantém a autonomia do Banco Central.
Saúde, Educação e Previdência
A proposta de nova Constituição reconhece o acesso à saúde e educação como direito de todos. Propõe a criação do Sistema Nacional de Saúde com financiamento público e acesso universal. O setor privado também deverá ter seus preços e procedimentos fiscalizados pelo Estado.
O acesso à educação também será universal e o texto é claro ao proibir que as instituições educativas tenham lucro. Determina que a educação deve ser laica, gratuita, de qualidade e não sexista.
O texto também altera o sistema previdenciário, que hoje é baseado nas Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs) - instituições privadas que controlam as economias dos trabalhadores e as usam para reinvestir na bolsa de valores. A nova Carta Magna determina que a seguridade social deve ser baseada na universalidade, solidariedade e o financiamento deve vir dos trabalhadores e das empresas, através de impostos.
Igualdade de gênero
A nova constituição determina que todos os organismos dos Estado, assim como as empresas públicas, devem ser compostos 50% por homens e 50% por mulheres. Ainda descreve que o Estado é responsável por garantir e promover uma vida livre de violência de gênero. Portanto, prevê o direito à identidade a todos e todas.
Direitos sexuais e reprodutivos
Esta será a primeira Constituição chilena a reconhecer direitos sexuais e reprodutivos, o que significa que as pessoas são livres para decidir de forma autônoma sobre o próprio corpo e o exercício da sexualidade, reprodução, prazer e anticoncepção.
Dessa forma, o novo texto prevê o direito à interrupção da gravidez de forma voluntária, livre, segura e acompanhado por equipes multiprofissionais dentro do sistema público de saúde.
Questão ambiental
Pela primeira vez uma Constituição reconhece os direitos da natureza. O texto identifica que o mundo atravessa uma emergência climática e que é responsabilidade do Estado diminuir as ações que poluem, desmatam ou destroem a diversidade ambiental.
Também afirma que o Estado deve garantir o acesso universal à água e ao saneamento básico, criando um estatuto constitucional das águas para retomar ao controle público. Durante a ditadura de Pinochet os rios chilenos foram privatizados para empresas transnacionais de mineração. A nova lei propõe a criação de uma Agência Nacional de Água que deverá outorgar licitações para uso das fontes de água naturais. Da mesma forma, o organismo deverá proteger os glaciares e zonas de proteção.
O novo texto constitucional também sugere a criação do Estatuto Constitucional dos Minerais para proteger todas as fontes de minérios do país. A mineração é responsável por cerca de 15% do PIB nacional e representa 60% das exportações do país, com destaque para o lítio e o cobre.
* Com informações do Brasil de Fato